A preocupação com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro já se tornou internacional faz tempo, e já não se esconde mais do mundo que o evento no país veio na pior hora possível. Quando o prefeito da cidade decide tentar ser engraçadinho diante do drama e acaba oferecendo como prévia do show um stand-up bufão, a emenda sai pior que o soneto.
Mais cedo, no domingo (24/07), além do furto de um laptop do próprio comitê organizador, a delegação australiana havia reclamado de problemas graves nas instalações da Vila dos Atletas, alegando a presença de vazamentos, sujeira, falta de iluminação, banheiros bloqueados e fiação desencapada. Eles resolveram hospedar seus atletas em hotéis enquanto o problema não fosse resolvido.
Na cerimônia de abertura da Vila, portando-se como o mandatário ciente das suas responsabilidades, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) deveria dar uma satisfação aos convidados. Uma satisfação, naturalmente, no mínimo, LEVANDO A SÉRIO as dificuldades da questão. Que respondeu ele? Que as coisas não estariam tão ruins assim, e, em referência aos australianos, que estava “quase botando um canguru na frente do prédio deles, para ficar pulando e eles se sentirem em casa”.
Eduardo Paes deve se achar muito engraçado; ocorre que a única piada potencialmente engraçada – para quem não lhe sofre os efeitos – é a vergonha que estamos passando. Uma piada tragicômica, uma anedota ridícula – da qual, com sua pose despachada e seu deboche, Paes demonstrou que faz questão de ser um dos personagens principais. Não precisamos frisar o quanto seu comentário foi de mau gosto e extravasou sua falta de senso de propósito; Mike Tancred, do comitê olímpico australiano, já lhe deu um tapa moral muito bem dado, ao não achar graça e responder: “não queremos cangurus, queremos encanadores”. Certamente nem os cangurus acharam divertida a troça de Paes; aliás, MUITO MENOS eles. Desafiamos qualquer um a dizer que riu disso – e sorriso amarelo não vale!
Que fique claro: não sou do time que deseja que os Jogos sejam um desastre, que está rezando para que aconteça uma tragédia, que quer que o Estado Islâmico toque o terror, que os traficantes desçam para assombrar, que a cerimônia de abertura seja um fracasso ou qualquer coisa do gênero. Não, não; espero de verdade que seja um sucesso, tanto quanto puder ser. Já está marcado, não vai ser adiado, não será transferido, então que seja pelo menos tão bem feito quanto conseguirmos.
O legado positivo, porém, certamente será muito pouco; será um furor efêmero, que passará. A sombra nos aguarda depois dos Jogos, quando o véu da fantasia desaparecer, e as dificuldades, que já pesam sobre os nossos ombros, pesarem ainda mais. A atitude de Eduardo Paes estampa a despreocupação em superar o que há de pior em nós, em enfrentar o que há de mais miserável na nossa sociedade; é como se a cervejinha gelada e a piadinha de boteco substituíssem o trabalho sério e os resultados. O que importa é o enfeite, é a superfície, é tapar o Sol com a peneira. Nossas autoridades querem maquiar a realidade com o humor duvidoso, e terminam por ofender aqueles que estão vindo participar dessa festa – e que vêm de nações que se interessam em muitas coisas mais do que apenas o delírio sensual.
Os cangurus saltitam em um país que desfruta de índices elevados de qualidade de vida e notória prosperidade. Uma piada do gênero na situação inversa, comparando os brasileiros a algum animal da nossa fauna, seria imediatamente enxergada como uma ofensa racista ou xenófoba por parte dos “elitistas” de uma nação bem-sucedida; ou mais, diriam que eles têm “inveja” da nossa “alegria”. Já a declaração de Eduardo Paes é fruto de uma alma pequena e de um ufanismo boquirroto que nos submergiram no fracasso.
Não adianta colocar o canguru na frente do prédio, como não adianta fazer fachadas lindas para hospitais, se dentro deles o que impera são as cenas de horror. Como não adianta pintar as bordas de estradas para encobrir as favelas onde grassam a miséria e a violência. O canguru não encobre o fio, não limpa a sujeira, não instala iluminação e não contém os vazamentos – e, se Eduardo Paes finge não saber disso, os australianos sabem muito bem.