Nos últimos tempos, a figura do médico cardiologista e ex-Deputado Federal Enéas Carneiro vem sendo colocada em destaque por uma parte da chamada direita brasileira. Sua conhecida erudição e seus ávidos debates com socialistas são cada vez mais propagados nas redes sociais. Todavia, as ideias do fundador do antigo PRONA, sobretudo na área econômica, são um enorme problema que muitos seguidores do ideário proposto pelo médico acreano não aceitam discutir.
Enéas Carneiro era adepto do positivismo de viés nacionalista. A escola de pensamento desenvolvida por Auguste Comte propunha que o governo deveria administrar tudo o que pudesse com um viés tecnocrata, com a criação do chamado “grupo de notáveis”. Tal pensamento foi difundido no Brasil principalmente no final do século XIX nas universidades já sediadas no país e nas academias militares. Entusiastas deste pensamento colaboraram com o golpe republicano de 1889 e tiveram participação ativa na política do país até a Era Vargas. Entre as colaborações dos positivistas está o movimento tenentista, que colaborou com a condução de Getúlio Vargas ao poder por meio da chamada Revolução de 1930.
O movimento tenentista começou no início dos anos 1920 após soldados de baixa e média patente do Exército se rebelarem contra o então Presidente Hermes da Fonseca pelo fato de a Política dos Governadores, apelidada de “Política do Café com Leite”, estar supostamente traindo os ideais da Proclamação da República, com os militares positivistas perdendo cada vez mais espaço no governo. Com a Revolução de 1930, Vargas premiou diversas lideranças do motim positivista com cargos no governo e nomeações para intervenções nas unidades federativas.
Além da colaboração na condução de Vargas ao poder, os tenentistas colaboraram com a solidificação do Partido Comunista por meio da criação da chamada Coluna Prestes, que transformou o então Capitão de Exército Luís Carlos Prestes na maior liderança comunista do Brasil.
O auge do positivismo se deu durante a Era Vargas, como mostra Bruno Garschagen em seu livro “Pare de Acreditar no Governo”, com todas as práticas difundidas por defensores de tal ideário sendo aplicadas com sucesso no país: desde a centralização política até o debate de industrialização nacional, quando a defesa do financiamento estatal para os industriais proposto por Roberto Simonsen acabou sendo adotado por Vargas.
Em sua obra “Um Grande Projeto Nacional”, Enéas Carneiro propunha todo o manual positivista de viés nacionalista: intervencionismo econômico; criação de uma nova tecnocracia; centralização governamental, em detrimento da autonomia de estados e municípios; calote da dívida pública; estatização total de setores vitais; fim da autonomia do Banco Central; limite máximo para importações; defesa do MERCOSUL e congelamento de preços e salários. Todas essas ideias fariam com que, nos dias atuais, dr. Enéas fosse um dos maiores opositores ao governo de Jair Bolsonaro conjunto a Marcelo Freixo, Ciro Gomes e Gleisi Hoffmann – ainda que Enéas fosse um anticomunista, como realmente era.
Num cenário em que precisamos buscar inspiração intelectual para o nascimento de um novo país, deveríamos recorrer a pensadores como Roberto Campos. O ex-diplomata, professor e ex-parlamentar, falecido em 2001, foi um dos maiores defensores da liberdade econômica no Brasil, implantando algumas de suas medidas enquanto Ministro do Planejamento no Governo Castello Branco. Campos era crítico ácido do excesso de participação do Estado brasileiro na economia e do excesso de burocracia existente para fazer praticamente tudo e dedicou sua vida para promover a liberdade, a democracia e o melhor funcionamento do Estado brasileiro.
Não podemos usar da hipocrisia e dizer que Enéas Carneiro não era um homem de virtudes e inteligência rara – muito pelo contrário. Sua carreira editorial e médica falam por si só, sendo até os dias de hoje uma das melhores mentes do país. Todavia suas ideias no que tangem à economia e a gestão dos recursos nacionais já foram aplicadas na Era Vargas, no governo militar, na redemocratização e na malfadada Era PT. E o resultado foi sempre o mesmo, com burocratas e corporativistas ganhando em detrimento da população. Neste cenário atual, a lanterna na popa de Roberto Campos não pode iluminar apenas as ondas passadas, mas, sim, o imenso oceano em que o Brasil precisa atravessar para chegar ao pleno desenvolvimento.