Os trabalhos legislativos na Câmara dos Deputados e no Senado começaram no dia primeiro de fevereiro. Os parlamentares tomaram posse dos seus mandatos, conquistados nas urnas em outubro de 2018, e elegeram seus respectivos presidentes que comandarão as Casas pelos próximos dois próximos anos. Na câmara dos deputados, a já previsível reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) acabou acontecendo ainda durante o primeiro turno. Com 334 votos, o deputado fluminense foi reconduzido para o seu terceiro mandato à presidência da câmara.
Maia não era o candidato dos sonhos de ninguém. Todavia, era um dos poucos parlamentares com poder de diálogo amplo dentro do legislativo e que obrigou a base governista no parlamento a caminhar consigo em nome das reformas econômicas e administrativas que irão ser propostas pelo presidente Jair Bolsonaro e necessitam de aprovação no plenário. Pesa a favor de Rodrigo Maia o poder de articulação e de ser membro do Democratas, partido com grande participação no Governo Federal, ocupando pastas importantes como Saúde, Agricultura e Casa Civil.
Por ser um resultado já esperado, a eleição de Rodrigo Maia na Câmara não recebeu os mesmos holofotes da eleição para a presidência do Senado. A eleição para a câmara alta teria fortes emoções, acontecimentos pitorescos e um final feliz. De um lado, posicionava-se Renan Calheiros (MDB-AL), figura já carimbada da política nacional e que poderia causar enormes desgastes para o novo governo por se tratar de uma figura com raízes e posições ideológicas mais à esquerda, além dos seus envolvimentos já conhecidos em casos de corrupção. Para tentar persuadir uma atuação mais forte do governo federal a seu favor, propôs-se a auxiliar as reformas caso tivesse o apoio e a articulação do planalto e ser conduzido à presidência do Senado pela quinta vez.
De outro lado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) se posicionava como possível adversário de Calheiros. Com o apoio e as articulações do Ministro-Chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni passou a se tornar um candidato viável. Senador pelo estado do Amapá, Alcolumbre não era considerado favorito na disputa por ser considerado um Senador do baixo clero, mesmo com o apoio de Lorenzoni, devido ao seu adversário ser uma figura tradicional da política brasileira. Porém, o xadrez político começou a virar a seu favor por diversas circunstâncias, como o apoio de uma figura influente do novo governo, a rejeição da população ao nome de Renan Calheiros e as articulações feitas nos bastidores para tirar Renan do jogo.
As conversas já eram realizadas nos bastidores do Senado, no entanto começaram a explodir no dia de ontem com a posse dos senadores eleitos. Alcolumbre, único remanescente da antiga Mesa Diretora do Senado, presidiu a sessão de posse e colocou em votação, em plenário, a abertura do voto para a eleição à presidência, atitude que prejudicava Renan Calheiros, defensor do voto secreto em conjunto com as bancadas de PT e PDT. Por 50 votos a 2, a eleição para definir quem presidiria o Senado seria em voto aberto. Os defensores do voto secreto como a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) ficaram indignados, com direito ao roubo do livro de atas por parte da senadora tocantinense e ameaças de socos e pontapés capitaneadas por Calheiros e Cid Gomes (PDT-CE). Os senadores defensores do voto secreto também argumentavam que Davi Alcolumbre não poderia presidir a sessão de abertura por ser candidato à presidência, segundo o Regimento Interno do Senado.
Nessa parte, Calheiros e sua horda petista estavam realmente corretos. Porém, Alcolumbre se utilizou de tal estratégia para desgastar a já frágil imagem de Renan Calheiros na opinião pública e se posicionar como único candidato viável para derrotar o senador alagoano, sabendo da pressão popular contra o candidato do MDB e pela defesa do voto aberto para escolha do presidente do Senado. Alcolumbre suspendeu a sessão legislativa na sexta-feira para que ela se reiniciasse no sábado. No desespero, Renan Calheiros articulou junto com o MDB e o Solidariedade junto ao Supremo Tribunal Federal decisão judicial que o favorecesse: que mantivesse o voto secreto e colocasse na presidência interna do Senado José Maranhão (MDB-PB), apoiador de sua candidatura e parlamentar mais idoso.
Renan conseguiu a decisão por meio do presidente do Supremo, Dias Toffoli, em uma decisão judicial publicada na madrugada. Se essa foi uma estratégia de Alcolumbre para desestabilizar Calheiros, esta foi certeira: o STF não é um dos órgãos públicos brasileiro que goza de grande credibilidade frente à população e Renan, com seu passado horrendo, também não goza de respeito no país. Embora o alagoano tivesse conseguido a decisão a seu favor, o desgaste já estava feito com a passagem da mensagem para a população de que o Supremo, em conjunto com Renan Calheiros, tramariam contra o país, gerando, assim, um clima de instabilidade institucional.
Com isso, Davi Alcolumbre conseguiu trazer mais apoios para a sua candidatura, sobretudo após as desistências de Álvaro Dias (PODE-PR), Simone Tebet (MDB-MS) e Major Olímpio (PSL-SP), assim fortalecendo sua candidatura. A pressão popular e interna obrigou o Senado, por meio de seu presidente interino, a realizar votação em cédulas de papel, fazendo com que o parlamentar pudesse proferir seu voto de maneira aberta se assim desejasse.
Numa trapalhada digna dos episódios de “Os Trapalhões” nos anos 1980, a urna, ao ser aberta, tinha 82 votos para 81 senadores, o que forçava a realização de nova votação. Já na segunda votação, após os senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Mara Gabrilli (PSDB-SP) proferirem a leitura de seus votos antes de depositarem na urna – não tinham tomado tal atitude na primeira votação – Renan Calheiros se viu sem escolha senão renunciar da disputa pela presidência do Senado, não antes de realizar um show pirotécnico no plenário.
Assim, o caminho ficou livre para Davi Alcolumbre vencer a eleição com 42 votos, levando a presidência ainda no primeiro turno. Conquistou a presidência do Senado Federal e deu demonstração de força política do governo Bolsonaro, pois esta é, antes de tudo, uma vitória do novo governo.
Alcolumbre venceu a eleição, pois soube utilizar com maestria a arte da guerra política contra um oponente que parecia já vitorioso. Jogar o xadrez político com frieza e responsabilidade é para poucos, mas o senador do Democratas soube fazê-lo com genialidade digna dos grandes parlamentares que o país já teve. Empurrar um cacique da política brasileira para a fritura, como fez Davi Alcolumbre em conjunto com Onyx Lorenzoni, não se vê todos os dias.
Vitória do Brasil, vitória da liberdade, vitória da democracia.