O desprezo das esquerdas pela estabilidade das instituições nas esferas do Estado é latente. Os socialistas entendem que tal instrumento atrapalha os anseios revolucionários e, segundo a visão marxista, as instituições que preservam a organização jurídica, legislativa e executiva apenas buscam perpetuar as chamadas “elites” no poder, sendo totalmente contrárias à visão de Estado tripartite defendida por pensadores como Montesquieu.
A Revolução Russa, ocorrida em 1917 e que deu origem à União Soviética é a maior exemplificação de tal guerra socialista contra a estabilidade. Porém, para entender o processo que levou a vitória socialista em terras russas devemos voltar a acontecimentos que marcaram o fim do Século XIX na França e na Alemanha que influenciaram os rumos da Rússia anos depois.
Após a derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana, em 1871, o orgulho francês foi ferido. Além de uma derrota humilhante, a França perdera territórios para a Prússia (posterior Alemanha após a unificação de 1872) como a região da Alscácia-Lorena, rica em carvão. Os franceses culparam o então presidente Adolphe Thiers pela derrota na guerra e pelo armistício que muito prejudicou a França com a perda de territórios, redução da força militar e imposição de indenizações penosas.
Como consequência da derrota francesa, nasceu na capital Paris, a chamada Comuna de Paris, um movimento de inspiração socialista iniciado pelos soldados da Guarda Nacional que não aceitaram a ação do presidente Thiers de desarmar a cidade de Paris para cumprimento do armistício. Tais soldados expulsaram as tropas fiéis do governo francês e declararam a independência de Paris. Com o medo de uma nova insurreição de grandes proporções, como acontecera durante o período jacobino da Revolução Francesa, o então Chanceler do recém-nascido Império Alemão, Otto von Bismarck, decide libertar os soldados franceses presos durante o conflito entre a França e a Prússia e dar fim à aventura socialista em Paris.
Rapidamente, as forças militares fiéis a Versailles debelaram a Comuna de Paris e restabeleceram a unidade nacional. Todavia, a derrota na guerra e a debelação da Comuna deixaram o orgulho francês ferido. Karl Marx, em um dos raros momentos de sobriedade, escreve em seu livro A Guerra Civil na França que as derrotas que a Prússia e, posteriormente, a Alemanha impuseram à França – além da aliança de Bismarck e Thiers para dar fim ao governo parisiense – tinham ferido o orgulho nacional francês e jogaria, assim, a França nas mãos da Rússia, o que poderia ser muito perigoso no futuro para o reino recém-criado devido à capacidade militar do país.
Em 1905, inicia-se o processo revolucionário na Rússia, como resposta à derrota russa na guerra contra o Japão pela posse da região da Manchúria. Para tentar frear o furor revolucionário, o Czar Nicolau II passa a submeter-se ao parlamento transformando a Rússia em uma monarquia constitucional e permitindo a legalização de partidos políticos, bem como combate os grupos mais radicais no episódio conhecido como “Domingo Sangrento”, quando tropas imperiais arrasam manifestantes sindicais que cobravam o fim da guerra com o Japão e melhores condições de trabalho.
Outra consequência dos episódios de 1905 foi que diversas lideranças do movimento foram exiladas da Rússia como Lênin, que durante seu período exilado viveu em países como Suécia, Suíça, Império Austro-Húngaro (na região da atual Polônia), Inglaterra e França, países onde o então advogado e um dos líderes dos movimentos de 1905 aprofundou-se ainda mais no estudo do pensamento marxista, planejando maneiras de como instaurar a Revolução na Rússia.
Nove anos depois a Primeira Guerra Mundial eclodia com o assassinato do arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando em território sérvio. A Alemanha imediatamente aliou-se ao Império Austro-Húngaro, enquanto a Rússia aliava-se à Sérvia no início do conflito.
França e a Inglaterra não tardariam a entrar na Guerra. Em 01 de Agosto de 1914 a Alemanha invade a Bélgica, então território neutro, fazendo com que os dois países declarassem guerra à Tríplice Aliança e se aliassem à Sérvia e Rússia, formando, dessa forma, a Tríplice Entente. Quatro dias depois da invasão à Bélgica, a Alemanha decide invadir a França, consumando a invasão por meio da Batalha de Liège, em que 22 divisões alemãs adentram o território francês causando 260 mil baixas nas forças militares francesas.
Mesmo invadindo a França, o governo alemão estava receoso da aliança militar entre russos e franceses, devido ao potencial militar que os russos tinham em termos de alistamento militar. Mesmo com a derrota na guerra contra o Japão, assim como a instabilidade política constante gerada a partir dos acontecimentos de 1905, a Rússia era muito temida pelos alemães e o sucesso da aliança entre franceses e russos poderia causar uma derrota acachapante: os franceses estavam dotados de um antigermanismo pela derrota de 1871 e também pelo fato de o governo alemão ter colaborado para frear a resistência francesa nos anos 1870, além de uma nova invasão territorial germânica à França. Com isso, os russos eram vistos pelos alemães como um risco que poderia frear sua expansão e consequentemente derrotá-los.
Porém, o chanceler alemão, à época, Theobald von Bethmann-Hollweg, sabia do clima de instabilidade política e social que a Rússia vivia e, junto com o Estado-Maior do Exército, decidiu colocar em prática planos que pudessem tirar os eslavos da guerra, dominar França e Inglaterra e, consequentemente, vencer a Guerra. Bethmann-Hollweg tinha ciência de que os bolcheviques russos eram contra a participação do país no conflito alegando que era dispendioso aos cofres públicos e que os chamados proletários não deveriam matar-se uns aos outros para apenas “satisfazer um desejo das elites”, segundo o livro “Imperialismo, fase superior do Capitalismo”, escrito por Lenin durante o seu exílio.
Sabendo que o principal líder dos fatos na Rússia em 1905 estava exilado, o governo alemão decide propor um acordo a Lenin: os alemães levariam o bolchevique de volta à Rússia (fato narrado por Edmund Wilson no livro “Rumo à estação Finlândia”) para que se incendiasse ainda mais o clima de instabilidade política e consequentemente a Revolução tivesse sucesso, com a contrapartida de que se os socialistas russos chegassem ao poder. A Rússia sairia da Guerra. Tal fato é narrado pelo historiador alemão Lawrence Sondhass no livro “A Primeira Guerra Mundial”.
Posteriormente, os socialistas conseguem chegar ao poder na Rússia, em Outubro de 1917, após forças militares fiéis ao Partido Bolchevique derrotarem o Governo Provisório comandado por Alexsander Kerensky. O primeiro-ministro chegou ao poder após a Família Real da Rússia ter sido derrubada do poder em Fevereiro, pelo parlamento e foi derrubado oito meses depois, transformando a Rússia no primeiro país governado por comunistas. Lênin é oficializado como novo líder russo em Sete de Novembro de 1917 após a realização do Segundo Congresso dos Sovietes de todas as Rússias.
No mês seguinte, Lênin cumpre sua parte do acordo com o governo alemão e retira a Rússia da Guerra, assinando o Tratado de Brest-Litovski. Inicialmente os russos tentaram retirar da guerra a França e a Inglaterra no início das negociações do tratado, para, assim, tentar colocar a Alemanha como vencedora numa forma do governo socialista da Rússia demonstrar gratidão aos teutônicos pelo apoio na Revolução de 1917, em uma investida do então Ministro de Relações Exteriores Leon Trostky. Porém, franceses e ingleses recusam-se a participar do acordo. Com a entrada dos Estados Unidos na Guerra, em maio de 1918, ganham novo gás. Conseguem derrotar a Alemanha e saem vitoriosos na Primeira Guerra Mundial. Porém, os alemães conseguiram um de seus objetivos, que era retirar a Rússia da Guerra sem usar as forças militares de maneira direta contra o país.
A estabilidade política é um valor caro aos liberais e aos conservadores. Pois é tal organismo que garante o desenvolvimento econômico, cultural e social de um país, mantendo, portanto, a nação em um caminho de prosperidade e progresso. Todas as vezes que os valores da estabilidade são atacados acaba-se surgindo os chamados “salvadores da pátria” que, na maioria absoluta das vezes, deixam a nação pior do que era antes. Por isso, todo cuidado é necessário para aqueles que buscam incendiar a política para consequentemente se alçarem ao poder e legar ao povo um caminho de totalitarismo e pobreza.